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Diabetes Mellitus tipo 1 e hepatite autoimune como forma de apresentação precoce da (SPGA)

O Diabetes Mellitus tipo I (DM1) resulta da destruição autoimune das células beta pancreáticas produtoras de insulina, causadas por uma interação complexa de fatores ambientais, genéticos e imunológicos. A DM1 é caracterizada pelo aparecimento de insulina e presença de autoanticorpos (Ac) contra as células beta pancreáticas.

Síndrome Poliglandular Autoimune Tipo II (SPGA)

A síndrome poliglandular autoimune (SPGA) tipo II define-se pela presença de doença de Addison (DA) autoimune associada a Diabetes Mellitus tipo 1 (DM1) e/ou doença tiroideia autoimune. Habitualmente associa-se a outras doenças autoimunes menores.

As SPGA caracterizam-se pela presença de duas ou mais doenças autoimunes endócrinas associadas a doenças autoimunes não endócrinas. A SPGA autoimune tipo II, a forma mais comum das SPGA, é uma doença poligênica rara que afeta predominantemente mulheres na idade adulta. Define-se pela presença de DA autoimune associada a DT autoimune (também designada síndrome de Schmidt) e/ou DM1 (designada síndrome de Carpenter). Habitualmente associe-se a outras doenças autoimunes endócrinas ou não.

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Descrição do caso clínico

Adolescente do sexo masculino, 17 anos de idade, raça caucasiana, com antecedentes perinatais irrelevantes. História de mononucleose infeciosa constatada aos cinco anos de idade e anemia microcítica hipocrômica desde essa data, de etiologia não esclarecida (sem investigação ou tratamento). Filho único, de pais jovens, saudáveis ​​e não consanguíneos. História familiar (avós maternos) de DM tipo II, sem outros antecedentes familiares de relevo.

Referenciado ao serviço de urgência (SU) pediatra aos doze anos de idade por quadro de polidipsia, poliúria, astenia e emagrecimento com três semanas de evolução. Ao exame físico aspecto aspecto emagrecido com perda ponderal de 10% (peso na admissão: 34,5 kg correspondente ao percentil 5; estatura: 151 cm, no canal do percentil 25–50; índice de massa corporal: 14,9 kg/m 2 , no canal do percentil 3–5), tensão arterial 115/65 mmHg (canal do percentil 50–90), freqüência cardíaca 89 bpm, hiperpigmentação cutânea generalizada, mucosas descoradas, desidratadas e subictéricas, abdómen globoso, dolorosa à palpação do hipocôndrio direito e esplenomegalia (bordo esplénico palpável, 9 cm abaixo do bordo costal, ao nível da linha média clavicular esquerda, cruzando a linha média abdominal).

Não foi constatada SU hiperglicemia (267 mg/dl), glicosúria e cetonúria, sem acidose metabólica, com hemoglobina glicada (HbA1c) de 10,2%, insulina sérica de 2,8 uU/ml (valores normais (N) 3,0 -17,0) e peptídeo C de 0,97 ng/ml (N 1,1-4,4). O estudo analítico realizado à admissão também revelou pancitopenia com anemia microcítica e hipocrômica; ferropenia; hepatite com disfunção hepática e hipocalcemia.

Esplenomegalia maciça.
Esplenomegalia maciça.
Parâmetros (unidades)valores na admissãovalores de referência
Hb (g/dl)9,0 ↓13,0-16,0
VGM (fL)59,2 ↓78–98
HGM (pág.)17,6 ↓25–35
CHGM (g/dl)29,9 ↓31–37
RDW (%)23,2 ↑
CTFF (mcg/dl)333228–428
Ferrosérico (mcg/dl)28 ↓30–112
Ferritina (ng/ml)3,5 ↓30–400
Leucócitos (por mm 3 )2840 ↓5500–13 500
Neutrófilos (por mm 3 )15401500–8000
Eosinófilos (por mm 3 )1400–700
Linfócitos (por mm 3 )1059 ↓1500–6500
Plaquetas (por mm 3 )68 000 ↓150 000-440 000
Creatinina (mg/dl)0,330,53-0,79
Ureia (mg/dl)2710–50
Sódio (mEq/L)139136–145
Potássio (mEq/L)4,13,5-5,0
TGO (U/L)147 ↑1–37
TGP (U/L)148 ↑1–41
GGT (U/L)101 ↑5–61
Fosfatase alcalina (U/L)324 ↑54–299
Bilirrubina total (mg/dl)2,1 ↑0,1-1,1
Bilirrubina direta (mg/dl)0,9 ↑0,0-0,2
Albumina (g/dl)3,5 ↓3,8-5,4
Proteínas totais (g/dl)6,76,0-8,0
Cálcio total (mg/dl)8,5 ↓9,2-11,0
Fósforo inorgânico (mg/dl)4,33,0-6,0
Vitamina B12 (pg/ml)932193–982
EM R1,37
Tempo de protrombina (%)58 ↓> 70
API! (s)36,728,0-40,0
Resultados dos valores analíticos na admissão

No estudo imunológico detectou-se imunoglobulina (Ig) G sérica de 1500 mg/dl (N 621–1284), IgM sérica de 244 mg/dl (N 37–101), com doseamentos séricos normais da IgA e IgE, C3 52, 0 mg/dl (N 75–135), C4 5,5 mg/dl (N 9–36) e positividade de pedicure (Acs) como: antinucleares, antimúsculo liso, anticitoplasma de neutrófilo, anti-insulina, antiglutamato descarboxilase 65 , anti-ilhéus de Langerhans, antiperoxidase tiroideia, antitiroglobulina, anticélulas do córtex suprarrenal, anti-21-hidroxilase, antiplaquetários, antigliadina, antitransglutaminase tecidual e anticélula parietal associados a gastrina de 199,7 pg/ml (N 0–108). A contagem dos linfócitos T CD3αβ+CD4-CD8- foi de 1,5% (N < 2%) e das células T reguladoras (Treg) CD4+CD25+FOXP3+ de 10,5% (N 5–10%).

No acompanhamento multidisciplinar, foi constatada persistência do aumento das transaminases associado a discreta coagulopatia, pelo que a imunossupressão com micofenolato de mofetil foi alterada para a azatioprina (2 mg/kg/dia) associada a dose imunomoduladora de prednisolona com normalização da função hepática. No segundo ano de doença, insulina iniciada por bomba perfusora contínua com melhora parcial do controle metabólico da DM1 (diminuição da HbA1c média anual de 12,7% para 9,9%). No terceiro ano de seguimento, repetiu EDA verificando-se inexistência de varizes esofágicas, gastropatia de HTP, infeção por Hp e/ou alterações anatomopatológicas nas biópsias do intestino delgado.

Célula VaziaDMO (g/cm 2 )Pontuação TPontuação Z
Coluna lombar (Ll-L4)0,589−4,6−4,6
Total – anca esquerda0,796−1,6−1,8
Colo do fémur esquerdo0,781−1,1−1,2
Resultados da densitometria óssea da coluna lombar e anca esquerda

Atualmente, quatro anos após o seguimento, mantém vigilância analítica regular, dieta sem glúten, suplementos vitamínicos e minerais (nomeadamente cálcio, vitamina D e ácido fólico), insulina por bomba perfusora contínua (1,6 UI/kg/dia), azatioprina ( 2 mg/kg/dia) e prednisolona (0,4 mg/kg/dia) em dose superior à dose de reposição preconizada para a DA, com HbA1c de 10,0% na última consulta.

As SPGA caracterizam-se pela funcionalidade de duas ou mais glândulas endócrinas desencadeadas por um processo autoimune. O termo poliglandular nestas síndromes não é o mais correto, uma vez que também são descritas doenças autoimunes não endócrinas.

Célula VaziaSPGA tipo ISPGA tipo IISíndrome de IPEX
Componentes principaisDA autoimuneDT autoimuneEnteropatia autoimune
HipoparatiroidismoDM tipo 1DM início precoce
candidíase mucocutâneaDA autoimuneEczema
Frequência da DM20%50%> 60%
início da doençaInfânciaInfância à idade adultaperíodo neonatal
genesGene AIREHLA e outrosGene FOXP3
Hereditariedadeautossômico recessivoautossômica dominanteLigado ao X
patogénesePerturbação da seleção negativa das células autorreativasDesconhecidoDefeito da função supressora das células T reguladoras CD4+CD25+
Fenótipo imunológicoTítulos elevados de Ac contra enzimas intracelulares, INF e citocinas TH17, suscetibilidade à CandidaAc contra os órgãos afetadosLinfocitose, eosinofilia, produção aumentada de citocinas, hiper IgE
Componentes menoresHepatite autoimune, hipogonadismo primário, DT autoimune, DM1, síndromes de má absorção, asplenismo, alopecia, vitiligo.Gastrite autoimune, doença celíaca, vitiligo, hipogonadismo primário, alopécia, hepatite autoimuneDT autoimune, anemia hemolítica, trombocitopenia imune, linfadenopatia, infeções recorrentes e sépsis
Características das síndromes poliglandulares autoimunes

Existem vários fatores implicados na perda de tolerância imunológica dos SPGA, nomeadamente genéticos, ambientais e imunológicos. A autorreatividade das células T é determinada no timo (pela tolerância imunológica central) e na periferia, fortemente influenciada por alelos específicos do antígeno leucocitário humano (HLA).

A SPGA tipo II, a forma mais comum das SPGA, afeta preferencialmente indivíduos adultos jovens (pico de incidência entre os 20 e os 40 anos de idade) do sexo feminino (razão 3:1), com uma prevalência estimada de 1,4– 2,0 em 100000 habitantes.

É uma doença multifatorial, autossômica dominante com penetrância incompleta, com forte ligação aos haplótipos HLA classe II DR3 (DQB10201) e DR4 (DQB10302. Outros genes, como o polimorfismo do gene MIC-A ( MHC classe I chain-related A ), do gene PTPN22 ( protein-tirosine phosphatase non-receptor type 22 ) e do gene CTLA-4 ( cytotoxic T lymphocyte related antigen-4 ) também foram associados a esta síndrome.

Neste caso, o diagnóstico de SPGA tipo II, particularmente a síndrome de Carpenter, baseou-se na presença de DA autoimune e DM1, em associação à presença de Ac antitiroideus, sem alterações morfofuncionais da tiróide identificadas até ao momento.

Na SPGA tipo II, a frequência relativa de cada endocrinopatia descrita na literatura é 100% para a doença de Addison, 69–82% para a disfunção tiroideia autoimune e 30–50% para a DM1. Apenas 10% dos doentes apresenta a tríade completa. Em consonância com o nosso caso, a DM1 é a primeira manifestação clínica da SPGA tipo II em cerca de 50% dos doentes, diagnosticando-se posteriormente a DA autoimune e/ou a doença tiroideia autoimune 4 .

Associados aos componentes principais do SPGA tipo II, são frequentemente reportadas outras doenças autoimunes, nomeadamente a GAI (em 4,5 a 11%), hepatite autoimune (em 4%), DC (em 1 a 4%), dsIgA (menos de 1%) e trombocitopenia imune (menos de 1%) identificados no nosso doente. Dada a presença de vários distúrbios autoimunes, nomeadamente a citopenia imune associada a hepatite autoimune e esplenomegalia maciça, os autores avaliaram os linfócitos T CD3αβ+CD4-CD8- com o intuito de excluir a síndrome linfoproliferativa autoimune 12 .

Este caso clínico ilustra a importância de rastrear a DC e/ou GAI num doente com DM1 e anemia de etiologia não esclarecida. Os autores destacamm ainda a importância do estudo da função suprarrenal e respetivos Órgãos específicos perante a presença de hiperpigmentação associados a sintomas inespecíficos (anorexia, astenia e perda ponderal) num doente com DM1, mesmo na ausência de hipoglicemia, hiponatrémia, hipercaliémia e/ ou acidose metabólica.

Fontes:

https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S1646343912700044

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